sábado, 18 de maio de 2013

“De uma hora pra outra, me vi impossibilitada de fazer uma das coisas que as mulheres mais amam: comprar sapatos!”



Eu sempre vivi minha vida com intensidade. Encarei todos os dias que me foram dados como um novo presente dado por Deus. E este Deus, que me cuida, ampara e protege, me fez uma surpresa que, hoje, após tantas inquietudes, aprendi a ser grata: levou metade das minhas duas pernas em um acidente automobilístico. Não vi nada do que aconteceu, passaram-se dias e mais dias do coma e, quando acordei, a ficha não caiu, não tendo ideia da dimensão do que havia acontecido comigo.
Fui apercebendo-me aos poucos, das minhas condições, de algumas limitações e por diversas vezes pensei nos motivos de tudo isso acontecer justamente comigo. Muitas vezes, mesmo com meu coração apertado diante de minha nova vida, não me entristeci por completo a ponto de perder o gosto pela vida. Hoje posso ver ao meu redor o maravilhoso milagre do amor, de minha família, amigos, que sempre estiveram ao meu lado.
Emociono-me, também, pois conheci gente que jamais imaginei conhecer, que lutou e colocou-me em suas orações, torcendo e pedindo por minha vida. Esse é o verdadeiro amor, feito de atitudes e palavras de bem querer, afeto, dedicação diária. Todas essas pessoas me deram uma nova vida. Agora que estou numa cadeira de rodas, quando se faz necessário, carregam-me no colo.
Pensando em tudo o que me aconteceu, notei que, até então, eu não havia percebido o quanto nós, cadeirantes, precisamos ser carregados, literalmente, tamanha a falta de condições e de atenção que a sociedade nos dá. Sofremos muito com a falta de acessibilidade. Precisamos ser vistos como pessoas normais, porque somos. Percebemos os olhares diferenciados, como se nós não fôssemos consumidores, como se não tivéssemos vontades, desejos, projetos e futuro. É doloroso ser encarado como alguém que não atua na vida apenas por se locomover em uma cadeira de rodas.



Queda na entrada da loja
Outro dia, pela falta de acesso em uma loja, levei um tombo. A atendente, que devia ter sido prestativa, teve o desplante de dizer-me de forma irônica que, até então, nunca havia recebido um cadeirante na loja. Como se minha presença fosse algo extraordinário e desagradável. Naquele dia, se eu tivesse minhas pernas, sairia correndo, de revolta, vergonha, medo. Tamanha falta de sensibilidade e despreparo em lidar com pessoas como nós, com alguma deficiência. É bastante constrangedor entrar numa loja e não conseguir ter acesso a um provador.
Mas continuo, dia após dia, planejando o que vestir. Tem dias que nem sempre sou muito vaidosa, vestindo-me de acordo com meu humor, mas sempre amei jeans colado, salto alto e de uma hora pra outra me vi impossibilitada de fazer uma das coisas que as mulheres mais amam: comprar sapatos!
Hoje, já preciso pensar no que vestir, e quero fazê-lo bem, como sempre fiz. Antes era feito de forma automática e agora é preciso mais atenção. As peças não podem ter apliques ou pregas atrás, têm que ser de algodão, lycra, suficientemente confortáveis para não causar incômodo, optando por um número maior do meu manequim, para facilitar o vestir e despir. Nem sempre é possível provar a peça antes, pelo fato de a cadeira, normalmente, não entrar no provador. Mas tudo é uma questão de adaptabilidade com minha nova condição.
Posso estar sem as pernas, mas continuo sendo mulher, com minhas vaidades, planos, esperanças e sonhos. A essência da minha vida não mudou, pois minha família e amigos me tratam da mesma forma, assim como meus talentos, aptidões profissionais e habilidades não desapareceram por mágica após o acidente. No entanto, minha condição de vida hoje é diferente. É simples, por mais que pareça complicado. Procuro e procurarei viver o melhor que posso com aquilo tenho, como sempre vivi. E, dessa vez, mais motivada, pois estou descobrindo em mim, a cada dia que passa, a capacidade de realizar tarefas que antes eu não sabia ser capaz ou até que não dava o valor necessário.
Não sou a única nessa situação. Existem várias pessoas que andam de cadeiras de rodas. Algumas nasceram assim e outras, como eu, tiveram que se adaptar a essa nova situação. Que minhas palavras possam mudar a visão em relação a nós, cadeirantes. Deixei de andar com as pernas, mas não de viver, tampouco de caminhar a estrada da vida, galgando degraus, vencendo obstáculos, dando outros tipos de passos, aqueles que formam minha jornada e escrevem minha história. Eu amo minha vida!