sábado, 25 de fevereiro de 2012

Cego desde os 9 anos, estudante de SP conquista o diploma de fisioterapia


Edson de Souza perdeu a visão em um acidente e saiu da escola.Depois de adulto, fez supletivo, conseguiu emprego e, agora, vai se formar.

A noite desta sexta-feira (20) terá um significado especial para o estudante paulista Edson de Souza, de 33 anos. Junto com seus colegas de faculdade, Edson vai receber o certificado de conclusão do curso de fisioterapia da UniSant'Anna. A colação de grau no Memorial da América Latina marca mais uma etapa na trajetória do rapaz, que ficou cego na década de 80, aos nove anos de idade, e só em 2005 conseguiu concluir o ensino médio.
   A vida de Edson até agora pode ser dividida em três períodos: uma infância normal até o dia do acidente no qual perdeu a visão; uma adolescência de inatividade dentro de casa; e uma vida adulta dedicada à busca da independência. "De 2002 para cá eu tive uma grande mudança: saí do zero para um bom estágio, não tinha como me sustentar e de repente as coisas mudaram", disse.
   A ideia de cursar fisioterapia surgiu a partir da insatisfação de Edson com o curso de massagem terapêutica que ele fazia na época, em uma turma específica para cegos. "Eu gostava do curso, mas achava muito prático e queria saber mais coisa teórica. Conversando com alguns colegas que me falaram da área de fisioterapia, achei que dava para fazer. O professor de massagem falou que não dava, que era loucura, mas aí eu arrisquei."
Sem regalias

Maria Eugênia Mayr De Biase, coordenadora do curso de fisioterapia da UniSant'Anna, explicou que, embora parte da metodologia tenha sido adaptada às necessidades especiais do estudante, o mesmo conteúdo era exigido de Edson. "Como é que a gente vai fazer na parte prática? Como ele vai fazer nos estágios? Essa foi a primeira pergunta que fizemos. Com o tempo, a gente foi adequando", afirmou Maria Eugênia. De acordo com ela, Edson não foi reprovado em nenhum dos estágios obrigatórios. O estudante afirmou que, nas matérias teóricas, mantinha médias em torno de 8,5.

   "No primeiro ano eu gravava as aulas e quando elas terminavam eu ouvia de novo e reescrevia em braile a aula inteira. Aí conseguia acompanhar, mas durante a aula ficava bem perdido", explicou ele. Foram poucos os professores, de acordo com Edson, que não confiaram em seu potencial. Um dos momentos mais delicados aconteceu no primeiro dia do estágio que ele fez na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). "A primeira coisa que disse pra mim quando comecei o estágio foi que ele não conseguia me imaginar lá dentro."
   Segundo Maria Eugênia, o fato de Edson ter sido o primeiro aluno cego do curso exigiu que tanto ele quanto os professores aprendessem juntos uma maneira de contornar a limitação visual. Além de contar com uma ledora a partir do segundo ano, e de poder portar seu computador, equipado com software de leitura, na sala de aula, Edson fazia provas orais (diretamente para o professor, na ausência da ledora, ou ditando as respostas para que ela as escrevesse). Nos laboratórios, os professores faziam as demonstrações no próprio corpo do estudante. Mesmo assim, alguns professores por vezes precisavam voltar ao início de suas exposições, ao perceber que não haviam incluído informações adequadas para que Edson pudesse entendê-las.
   Na disciplina que ensina os universitários a interpretar exames de raio-X e de ressonância magnética, houve um dos impasses mais marcantes. A solução encontrada pela ledora para que Edson pudesse fazer a prova era orientar a mão do estudante com uma caneta para redesenhar as imagens. Durante as aulas, ela descrevia as imagens em voz alta.
"Nós somos da reabilitação, aceitamos isso com mais facilidade, mas no primeiro impacto realmente a gente sempre acha que pode ser que não dê certo. Mas deu", disse Maria Eugênia.
Edson de Souza, que perdeu a visão na infância, levava dois dias para transcrever as aulas da faculdade para o braile (Foto: Ana Carolina Moreno/G1)
Edson levava dois dias para transcrever as aulada faculdade para o braile (Foto: Ana Carolina Moreno/G1)

Do acidente à rebeldia

   Aos nove anos, enquanto corria pela calçada da rua em que vivia, em Rio Grande da Serra, na Região Metropolitana de São Paulo, Edson bateu com a cabeça na janela da casa de uma vizinha e sofreu descolamento nas duas retinas. "Nem foi uma pancada forte, mas foi certeira", contou. "Meus pais vieram do interior do Paraná, não tinham conhecimento de nada. Como o filho ficou cego, eles adotaram a superproteção".
 Nos dois meses seguintes, ele foi perdendo gradativamente a visão, até ficar completamente cego. "Me tiraram da escola, parei na terceira série", contou o formando, filho de uma doméstica e de um funcionário da Rede Ferroviária Federal. Edson disse ter passado a década seguinte dentro de casa. 


   Quando completou 18 anos, o estudante diz que se rebelou contra a idéia de não ser autossuficiente, principalmente depois de ouvir as pessoas comentando sobre o que aconteceria com ele após a morte dos pais. "Eu não queria mais ficar em casa, queria um internato, queria ir embora. De tanto eu tentar, minha prima me ajudou", explicou ele, indicado a um oftalmologista que lhe deu o endereço da Fundação Dorina Dowill.
   Segundo a instituição, todos os anos cerca de 1.500 deficientes de visuais de todas as idades são atendidos por aproximadamente 40 profissionais em um processo de reabilitação. No caso dos adultos, os cursos são voltados ao ensino do braile, orientação em mobilidade e aulas de tarefas cotidianas, incluindo culinária e dicas para reconhecer as roupas.
   Em 2001, depois de um ano na fila de espera, Edson conseguiu uma vaga na fundação, aprendeu a ler e a escrever em braile e voltou a estudar em um supletivo. Após terminar o ensino médio, conseguiu, com a ajuda da instituição, um emprego como auxiliar de câmara escura no Hospital Edmundo Vasconcelos, na Zona Sul de São Paulo.

Primeiro funcionário cego

"No início, a adaptação foi meio tensa, porque a gente não tinha nenhum funcionário com deficiência visual", afirmou Elisete Tavares, gerente do Centro de Diagnóstico por Imagem do hospital e chefe de Edson. "A parte mais difícil foi nossa com ele do que ele com a gente, porque o Edson tem o dom da adaptação, ele quer se superar a cada momento."
   O auxiliar trabalha das 14h às 22h revelando exames digitais e analógicos, tarefa que aprendeu "com uma facilidade incrível" após um curso específico, segundo Elisete. A supervisora do jovem contou que ele não falta ao trabalho nem quando há greve de ônibus ou metrô, e não usa a deficiência como impedimento. Além do emprego, Edson também encontrou sua esposa através da Fundação Dorina Nowill. Ele e Priscila, jovem de 29 anos com deficiência visual parcial, se conhecerem durante a reabilitação. "Ela é otimista como eu, quer sempre se superar. Ela me completa", afirmou.

   Os dois se casaram há cerca de quatro anos, pouco antes de decidirem cursar o ensino superior - ele em fisioterapia, ela em serviço social. "Foi muito difícil, porque eu estudava de manhã e trabalhava à tarde, e ela trabalhava de manhã e estudava à noite", contou Edson.
Edson de Souza durante estágio da faculdade de fisioterapia, retirando seus convites da formatura, dentro de um ônibus em São Paulo e em viagem com a esposa ao Ceará (Foto: Ana Carolina Moreno/G1/Arquivo pessoal)
Edson de Souza durante estágio da faculdade de fisioterapia, retirando seus 
convites da formatura, dentro de um ônibus em São Paulo e em viagem com
 a esposa ao Ceará (Foto: Ana Carolina Moreno/G1/Arquivo pessoal)

   Depois de concluírem as respectivas faculdades, os dois decidiram experimentar uma aventura nova antes de iniciar uma nova etapa. "Contratamos um pacote e viajamos para o Ceará no Natal", disse Edson ao G1 na sala da casa de dois andares que construiu com Priscila no Grajaú, Zona Sul de São Paulo, rodeado de miniaturas, chaveiros e esculturas comprados durante a viagem. 
De volta das férias, e prestes a se tornar oficialmente um fisioterapeuta, o rapaz agora traça novos desafios: fazer pós-graduação em ortopedia e conseguir um emprego em um hospital ou clínica "em qualquer área da fisioterapia".
   Segundo a professora Carina Baron, que supervisionou parte dos oito estágios de cinco semanas que o estudante precisou cumprir nos dois últimos anos da faculdade, Edson pode trabalhar sem impedimento com ortopedia, massoterapia, neurologia, estética e na enfermaria de um hospital, entre outras áreas. "Como o leque do fisioterapeuta é muito grande, acredito que ele tem total condição de trabalhar e acredito no potencial dele de ser contratado."
   Primeiro deficiente visual total formado na carreira pela UniSant'Anna, Edson agora integra um grupo bastante reduzido de fisioterapeutas brasileiros com algum tipo de limitação visual. Ele é o primeiro fisioterapeuta com 100% de deficiência visual de que Wilen Heil e Silva, diretor do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito), tem notícia. "Conheço alguns, não muitos, com baixa visão, mas com 100% [de deficiência visual] não tive conhecimento", afirmou. Na Fundação Dorina Nowill, há registro de um deficiente visual total com diploma na área. O formando explica que a pouca quantidade de colegas na mesma condição que ele é um resultado da falta de abertura. "Tudo depende de oportunidade, não adianta julgar antes e dizer que a pessoa não consegue."


Cada momento é especial!

"Viva muito bem este momento que Deus lhe dá. Ele poderá  
       valorizar o seu passado e preparar o futuro que vier."


                                                 J. Nobre
http://nospassosdejesusamor.blogspot.com/2011/11/cada-momento-e-especial.html

O oceano imagético da fotografia digital


FONTE: 

Nunca se tirou tantas fotos como hoje, com o filme em película substituído por pixels e as câmeras semiprofissionais cada vez mais acessíveis. Mas a memória registrada pelos novos retratos pode se perder

Publicado em 25/02/2012 | YURI AL’HANATIraComprar um filme fotográfico, escolher o número de poses e o ISO, pensar minuciosamente cada retrato para evitar o desperdício, tirar mais uma “para garantir”, guardar o rolo de filme com cuidado para não queimar as imagens com o excesso de luz, levar ao laboratório, esperar um ou dois dias, voltar ao laboratório e, finalmente então, ver o resultado. Esses eram as etapas mais básicas da grande maioria de pessoas que queria fotografar qualquer ocasião há pouco mais de uma década. Não é novidade, portanto, que a fotografia digital criou um atalho inestimável entre apertar o botão de disparo e conferir a imagem a tempo de corrigir qualquer imprecisão de luz, foco ou enquadramO avanço da tecnologia foi suficiente para alterar toda a relação entre máquina e fotógrafo. O mais notável, consequência direta da redução de custo de produção de uma foto, é o aumento na quantidade de imagens registradas. “O volume aumentou assustadoramente, mas não houve, em contrapartida, uma responsabilidade do fotógrafo com o momento fotografado”, afirma o fotógrafo e professor na Universidade Federal do Paraná (UFPR) Osvaldo Santos Lima. Para ele, a facilidade em refazer a imagem formou fotógrafos que não pensam a foto, e guiam-se com base na tentativa e erro. “A fotografia é uma das únicas áreas da linguagem em que você pode ‘escrever’ excessivamente sem nunca ter aprendido a ‘ler’. Há uma confiança extrema no automatismo dos aparelhos, e com isso as pessoas se tornam meros operários da câmera fotográfica”, conclui Lima, que também é diretor do Omicron Centro de Fotografia.
Nostalgia
O retorno saudosista ao analógico por meios eletrônicos
Enquanto a tecnologia fotográfica caminha para um ideal de alta definição, muitas câmeras e aplicativos para celular remam contra a maré e oferecem filtros retrô, que dão um ar de fotografia analógica à imagem pixelizada. Softwares para smartphones e versões de consagradas câmeras fotográficas lo-fi, como a chinesa Holga e a alemã Diana F+ ganham cada vez mais adeptos. Fotos sobrepostas, com excesso de luminosidade, granuladas são cobiçadas pelos apreciadores desse tipo de estética. O programa mais popular da rede – uma febre, praticamente – é o Instagram, que oferece uma certa variedade de filtros com o propósito de imitar o resultado obtido com velhas máquinas de baixa fidelidade. Mas há vários outros, como o Hipstamatic, que conta com uma interface para simular o uso de uma câmera de uso doméstico, com rolo de filmes, e que permite trocar as lentes e a cor do flash.
“A fotografia analógica criou uma estética muito característica, e esses aplicativos prestam uma homenagem à cultura da película, que está ligada não só ao produto final, mas ao próprio aparelho fotográfico”, afirma o professor da UFPR Osvaldo Santos Lima, que completa, sobre as máquinas lo-fi vendidas ainda hoje: “A fotografia digital é um controle absoluto sobre cada pixel, nos mínimos detalhes. A Diana e a Holga oferecem o oposto: descontrole absoluto, para deixar que o acaso trabalhe junto com a fotografia. Há uma saturação de fotografia digital. As pessoas querem surpresa nas fotos essas máquinas proporcionam isso”.
Yuri Al’Hanati
Quando todos são amadores, falta espaço para o profissional
Na época em que Matt Eich entrou no curso de fotojornalismo, em 2004, revistas e jornais impressos já estavam com circulação em declínio. Mas ele tirava fotos desde criança e, mesmo após casar e ter um filho durante a faculdade, ele persistiu na carreira de fotografia. “Eu tinha que ganhar dinheiro suficiente para manter um teto sobre nossas cabeças”, conta.

Como na economia, o excesso de oferta acaba por reduzir o valor de produtos ou serviços. A foto digital fez com que a quantidade de fotos tiradas em uma única viagem atinja a casa de centenas – ou milhares – e isso pode diminuir o apreço individual que se tem por cada uma delas. O fato ocorre tanto por uma possível falta de perícia do fotógrafo quanto pela perda do caráter raro da imagem. “Antigamente, a fotografia era um evento. O fotógrafo ia à casa da família, todos precisavam tomar banho e se arrumar porque haveria apenas uma única foto”, comenta o fotógrafo Michel Willian, especializado em fotografar eventos e restaurar fotos antigas. Ele acrescenta: “O equipamento de qualidade está ao alcance da maioria dos usuários, e atualmente fotografa-se praticamente todas as situações do dia a dia. Se por um lado isso gera registros históricos importantes, por outro banaliza o valor que se dá à memória”.
Se o ato de fotografar não é um fim em si mesmo, é razoável perguntar: o que fazer com tantas imagens registradas no código binário da informática? Lima afirma que, embora uma foto impressa e emoldurada emocione muito mais do que aquela vista na tela do computador, a tendência da maioria é deixar a imagem eternamente no formato virtual. “Assim como no Twitter, em que as pessoas escrevem coisas banais como ‘estou jantando’, a fotografia também está próxima de registrar todos os momentos do dia a dia”, diz. “Hoje em dia existem muitas redes sociais que permitem o compartilhamento das fotos. A satisfação em tirar e mostrar deu à fotografia um tom de fetiche. E pela facilidade de difusão do digital, as pessoas acabam cada vez fotografando mais com esse fim”, analisa Lima.
Bagunça virtual
O acervo digital, frequentemente volumoso, fica cada vez mais difícil de ser organizado. As fotos se acumulam em uma pasta de arquivos e, com o tempo, perdem seu referencial histórico. É a constatação que o professor tira da experiência e da observação das tendências. “Vamos ter uma memória visual do início deste século muito mais forte do que o começo do século passado. O problema é que as pessoas estão produzindo registros, mas não estão preocupados em guardar adequadamente esses registros.”
Já o cineasta e diretor do Museu da Imagem e do Som do Paraná (MIS), Fernando Severo, diz que manter imagens apenas no computador delineia uma grande perda para a museologia. “A verdade é que não sabemos ao certo a durabilidade dos suportes digitais, e eles se tornam obsoletos muito rápido. A cada transferência de dados de uma máquina ou uma mídia para outra, há uma perda na qualidade cujo prejuízo futuro não podemos prever”, conta. Trabalhando principalmente com negativos antigos de fotos de família, Severo afirma que a fotografia é valiosa para se registrar o momento histórico, e com a diminuição da circulação impressa dessas fotos, há uma preocupação em perder muito desse arquivamento. “Ao mesmo tempo, o grande volume de fotos digitais vão exigir muito dos museólogos que pretenderem organizar e classificar esse material”, completa.
A solução para que as desvantagens da quantidade não suplantem os benefícios da qualidade digital, para Osvaldo Santos Lima, é simples: a educação visual: “Para o fotógrafo profissional, realmente capacitado e estudado, a fotografia é tão pensada quanto a fotografia analógica. A questão é: quantos profissionais realmente capacitados existem hoje?” De acordo com ele, há “pseudoprofissionais” escondidos por trás da facilidade e do baixo custo do equipamento. “Critérios, ainda que subjetivos de certo e errado [na fotografia], são necessários. Quando você diz que algo está ruim, está ruim porque está baseado em conceitos históricos postos. Tudo é discutível, mas sempre será discutível dentro de um parâmetro.” Pensar antes de fotografar, portanto, é a chave para que a memória seja preservada e o futuro não se perca num oceano de imagens avulsas.